Friday, November 03, 2006

Pandemias

Saúde: Pandemias num Mundo Globalizado:

A hipótese do vírus responsável pela Gripe das Aves se tornar transmissível entre os humanos coloca-nos perante a possibilidade de virmos a sofrer uma nova epidemia a nível mundial. Uma nova mutação do Influenza pode estar a acontecer. A Organização Mundial de Saúde e os Centros Nacionais da Gripe encontram-se vigilantes. Mas as consequências de uma epidemia serão grandes e imprevisíveis.As possibilidades de previsão e de prevenção que a medicina hoje encerra conferem-lhe uma certa aura profética que, em alguns momentos específicos, se torna capaz de deixar as sociedades em suspenso. Eis pois o que hoje se passa relativamente à possibilidade de uma pandemia provocada por uma nova estirpe do Vírus Influenza (o vírus responsável pela gripe, assim denominado por se ter pensado muito tempo que os sintomas que provocava eram efeitos dos astros), o H5N1 que já matou, até à data, pelo menos 42 pessoas no sudeste asiático.Resultando de uma mutação do vírus responsável pela Gripe das aves, este novo subtipo de vírus poderá gerar situações, a nível mundial, semelhantes às que ocorreram com os três surtos pandémicos registados no século XX. Isto porque, apesar da Organização Mundial de Saúde (OMS) e os Centros Nacionais da Gripe se encontrarem preparados para a possibilidade de uma epidemia, a mutação de um vírus implica que as entidades desconheçam as suas características, não podendo, por isso, agir por antecipação, à semelhança do que acontece com as vacinas preparadas para os surtos de gripe que se registam todos os Invernos. Aliás, “a pandemia surge porque o vírus aparece sob uma forma diferente da habitual”, explica o Dr. Francisco George, especialista em Saúde Pública e membro do Centro Nacional da Gripe do Instituto Ricardo Jorge, no 8º Fórum Goulbenkian de Saúde, na conferência dedicada às «Pandemias num Mundo Globalizado».O que acontece no caso concreto da Gripe das Aves é que podemos estar perante uma estirpe viral que, apesar de normalmente se alojar em animais, se modificou a ponto de conseguir infectar os humanos. Os casos até hoje registados parecem ter resultado do contacto directo das pessoas com os animais infectados. No entanto, há suspeitas de que o novo subtipo de vírus seja transmissível homem a homem, o que pode ter consequências imprevisíveis. Perante este facto, uma pergunta se coloca: como é que os vírus se modificam? De duas maneiras: ou sofrem gradualmente modificações adaptativas ou surgem de um modo explosivo, como uma nova recombinação, sendo necessário, no que toca a este caso, que o hospedeiro se encontre infectado com a génese aviária e com a génese humana.O sacrifício massificado das aves que possam transportar o vírus tem sido a medida preventiva mais utilizada para evitar a propagação da doença. Mas ao saber-se que o vírus tende a mudar num espaço de tempo que medeia entre 10 e 50 anos, o receio de uma nova epidemia é absolutamente real. Perante uma ameaça deste tipo, o que é que há a fazer?“Aqui o problema é que se estivermos dentro de uma epidemia, a vacina vem fora de tempo. Por exemplo, em Portugal, as vacinas são aplicadas aos grupos de risco no Outono para os proteger – da gripe e das suas complicações - no Inverno. Mas nós conhecemos o vírus que circula ou que se prevê que venha a circular (H1 ou H3). No entanto, perante uma pandemia isso não acontece. Uma vez que o vírus é desconhecido, não se poderá fazer uma vacina por antecipação. A vacina só poderá surgir quando o vírus emergir”, afirma Francisco George. “Da primeira vez que surgir, o H5 vai ser completamente novo, portanto, não sei se será possível produzir um protótipo da vacina”, adianta.Aquilo que alguns países estão a fazer é comprarem antecipadamente aos produtores. Algumas farmacêuticas já garantiram que, no caso do vírus surgir, e se a OMS lhes der autorização, terão a vacina disponível em cerca de três semanas. Mas a vacina pandémica vai ser universal. Os grupos de risco deixam de existir e toda a população deverá ter de ser vacinada. Quem suportará estes custos?A pergunta fica em suspenso mas a vigilância deverá ser apertada. Na opinião de Bernardus Ganter, conselheiro da OMS para a Europa, “é imperativo que os sistemas de controlo e vigilância internacionais sejam eficazes e que haja uma reorganização a nível mundial dos planos de prevenção. A OMS encontra-se já a rever as regulamentações internacionais para a Saúde que, até à data, apenas regulamentam cólera, a peste e a febre-amarela. É no entanto necessário que os sistemas de saúde de cada país sofram uma revisão constante de modo a que, em caso de necessidade, possam assegurar uma resposta adequada em tempo certo”. A vigilância internacional sindrómica obriga então ao equacionamento de vários questões. “A rapidez de produção de vacinas, a avaliação da gravidade da situação e contemplação da hipótese de, perante uma pandemia, haver restrições a nível internacional, são pontos que devem ser decididos. É essencial que cada país desenvolva a suas próprias capacidades de detecção e resposta a uma epidemia, tendo sempre em conta a cooperação e a coordenação com os organismos internacionais”, afirma Ganter.A possibilidade de haver restrições de livre circulação de pessoas e bens a nível internacional é hoje uma matéria sensível. No entanto, em caso de uma epidemia essa situação terá mesmo de ser observada. “A globalização impõe a supressão de barreiras mas em caso de necessidade estas têm de ser erguidas. Já na Idade Média os médicos percebiam que perante uma epidemia era necessário adoptar medidas de restrição e de quarentena”.Uma epidemia vivida à escala mundial obrigaria à reconfiguração de muitos dos procedimentos que fazem parte das nossas rotinas. Como irá acordar o mundo se a OMS tiver que declarar estarmos perante uma pandemia de gripe? Por enquanto ainda não sabemos, mas nos próximos tempos o Influenza irá dar-nos a resposta.
Ana Celeste MendesQUERCUS Ambiente nº. 14 (Maio/Junho de 2005)

Influenza:
Um vírus com muito má cara
Comummente considerada uma doença banal e sem importância, a gripe – doença infecciosa aguda provocada pelo vírus Influenza, descoberto em 1933 - dizimou, ao longo dos séculos, vários milhões de pessoas. Tosse, dores, febre, arrepios e suores fazem parte do quadro sintomatológico característico desta infecção, que apesar de se poder manifestar intensamente é habitualmente debelada pelos indivíduos imunologicamente competentes.Apesar disso, e porque de tempos a tempos o vírus sofre uma mutação face à qual as pessoas não possuem anticorpos protectores, o Influenza tem sido responsável por diversos surtos epidémicos que têm avassalado a humanidade ao longo dos séculos. Durante o século XX houve três epidemias graves:
A Gripe Espanhola.
A primeira, conhecida pela “Gripe Espanhola”, ocorreu entre1918 e 1919 e provocou entre 20 a 40 milhões de mortos, estimando-se que tenha chegado a França por meio dos chineses que vieram para a Europa trabalhar na retaguarda dos exércitos aliados. As tropas francesas, inglesas e norte-americanas foram fortemente dizimadas pela doença logo em Abril de 1918. Em Maio do mesmo ano, o vírus propaga-se pela Grécia, por Espanha e Portugal e em Junho pela Noruega e pela Dinamarca. Em Agosto é a vez da Holanda e da Suécia e em Setembro o vírus atinge a América. Apesar de ter provocado uma grande taxa de mortalidade, este primeiro surto da “Gripe Espanhola” foi o menos grave dos dois que se lhe seguiram. O segundo que emergiu no Outono de 1918 e terminou em Janeiro de 1919 e o terceiro, que ocorreu entre Fevereiro e Maio de 1919 foram muito mais mortais. Tendo afectado 50% da população mundial - sobretudo a população jovem -, este surto pandémico caracterizou-se por uma elevadíssima taxa de mortalidade e de morbilidade (pela frequência das complicações associadas), pelo que foi qualificado como o mais grave conflito epidémico de todos os tempos.
A Gripe Asiática
Iniciada em Fevereiro de 1957, no norte da China, a “Gripe Asiática” afectou, em meados de Abril, Hong-Kong e Singapura, tendo-se posteriormente difundido para a Índia e para a Austrália. Durante os meses de Maio e Junho, o vírus disseminou-se por todo o Oriente, e estendeu-se a África entre Julho e Agosto. Nos meses seguintes, a infecção propagou-se pela Europa e em Outubro e Novembro disseminou-se pelos EUA.Com a rapidez de transportes e o aumento das viagens, os vírus atingiu a população mundial em menos de 10 meses e sofreu a mais importante variação antigénica registada até à altura: O novo subtipo, o H2N2 apresentou-se completamente diferente do subtipo anterior, o H1N1.Tendo entrado em Portugal por via marítima através de passageiros provenientes de vários portos africanos atingidos pela gripe, a doença adquiriu, entre nós, um carácter epidémico em Setembro, tendo atingido o seu auge em Outubro do mesmo ano.A partir daí, a Organização Mundial de Saúde - que só tomou conhecimento do surto surgido na China, Hong Kong e Singapura em Maio de 1957 - passou a fornecer aos Centros Nacionais da Gripe de cada país, as características do ou dos vírus em circulação, o que permitiu a tomada das precauções necessárias para evitar a propagação da infecção.
Gripe de Hong Kong
Ocorrida em 1968, a “Gripe de Hong Kong” foi a terceira pandemia do século XX e deveu-se ao aparecimento de uma nova variação do vírus Influenza a (H3N2), que deu origem a um novo subtipo. A variante antigénica produzida em Hong Kong, em meados de Julho de 1968, resultou numa epidemia de grande extensão, que se propagou ao mundo através da China, de acordo com as mesmas linhas de difusão da gripe asiática.Tendo chegado ao Médio Oriente em Outubro de 1968, o surto só chegou à Europa em 1969, onde se propagou em duas ondas epidémicas (Portugal sofreu o primeiro surto entre o final de 1968 e o início de 1969 e o segundo surto no início de 1970). Apesar de se ter disseminado por todo o mundo, a “Gripe de Hong Kong” caracterizou-se por ter sido um surto benigno (à excepção do que aconteceu nos EUA), não estando por isso associada a um grande número de mortes.O sistema de vigilância epidemiológica, coordenado pela OMS em colaboração com um número cada vez maior de Centro Nacionais da Gripe de vários países, tornou possível a análise das características dos vírus em circulação.


Outras pandemias
Fortemente relacionadas com a pobreza e com as condições de higiene e alimentação das populações, as pandemias surgem como um problema de difícil solução. Sida, paludismo, cólera e malária afectam quase mil milhões de pessoas no mundo inteiro. Constituindo um forte entrave ao desenvolvimento social, cultural e económico dos povos, estas patologias são ainda mais difíceis de travar pelo contexto social em que se inserem: os países mais afectados são precisamente aqueles que não possuem as infra-estruturas necessárias para que os cuidados de higiene e de alimentação e o acesso aos medicamentos e aos cuidados primários de saúde sejam assegurados. E a partir do momento em que as más condições de higiene, a insalubridade e a má alimentação propiciam a proliferação da doença, os países mais pobres são os alvos de eleição.As doenças propagam-se sem que haja recursos monetários para assegurar a distribuição de medicamentos e vacinas que possam controlar a situação. Movidas por outros interesses, as indústrias farmacêuticas deixam para trás a investigação que poderia levar ao tratamento e à cura destas doenças. Os países do terceiro mundo estão praticamente por sua conta. E a pobreza surge, então, como causa e como consequência das doenças que matam ou deixam com grande morbilidade grande parte da população activa destes países. Mas o resto do mundo passa ao lado do problema: os pobres são dizimados pelas doenças que o mundo rico já esqueceu.Bernardus Ganter, da Organização Mundial de Saúde, veio afirmar, no Fórum Gulbenkian de Saúde, que o início do século XXI foi marcado pela emergência de várias doenças e de vários problemas de saúde pública que se registaram não de uma forma localizada mas à escala global e que se devem, sobretudo, “à rapidez com que as pessoas hoje se deslocam, ao fluxo migratório das populações, ao turismo, à massificação dos hábitos alimentares, aos problemas sociais que surgem da urbanização descontrolada, aos produtos geneticamente modificados, às alterações climáticas e aos desastres naturais”.Mas se as epidemias chegam a todos, a sua distribuição não é igualitária. Os países pobres (e as classes mais desfavorecidas dos países abastados) registam uma taxa de infecção por tuberculose e Sida muito superior à que se verifica nos países mais desenvolvidos. Porque aí a epidemia é outra: “a obesidade e a diabetes são as pandemias não transmissíveis nos dias de hoje”. O que é verdade. Mas convenhamos que a partir do momento em que não surgem na miséria absoluta, os seus contornos serão necessariamente diferentes.




Portugal tem plano de contingência activado:
De acordo com a agência Lusa, Portugal já activou, de acordo com o Plano de Contingência para a Gripe, os mecanismos de vigilância relativamente à epidemia da gripe das aves. Elaborado pela Direcção Geral de Saúde, o plano será aplicado em função da progressão da doença no tempo e no espaço, tendo em conta o seu índice de transmissibilidade. Estruturalmente dividido em seis fases (de zero a cinco), o plano contempla um vasto leque de circunstâncias que variam entre a actuação dos agentes de saúde em casos de inexistência de um novo vírus em circulação e uma fase pós pandémica.Portugal encontra-se hoje no nível dois da fase zero (fase interpandémica) que é accionado “quando se confirma a ocorrência de dois ou mais casos de infecção no homem pelo novo vírus”, apesar da transmissão homem a homem permanecer questionável. Nesta fase de vigilância, o Plano determina a revisão e actualização do plano de contingências, planeamento do reforço da vigilância epidemiológica e a monitorização da evolução da doença em animais. No caso da transmissão do vírus entre humanos ser comprovada, e ainda segundo informações da agência Lusa, o Plano determina acções como a identificação das populações nacionais com risco aumentado de infecção pelo novo vírus, o número de pessoas que necessitarão de internamento, a activação de estruturas sentinela fora do sector da saúde e a transmissão de informação aos viajantes. Caso a OMS confirme o início de uma pandemia, procede-se à definição das populações prioritárias para vacinação (no caso de existir uma vacina) e estabelece-se uma rede de referenciação de cuidados hospitalares e de saúde. No caso da epidemia se registar num dos Estado Membro da União Europeia, Portugal fará uma triagem clínica em passageiros de embarcações, portos, aeronaves e aeroportos. No caso do nosso país ser afectado, está previsto o encerramento de escolas e creches, a limitação ou interdição de visitas a lares e hospitais e o adiamento de todos os internamentos hospitalares não urgentes.O plano estabelece ainda acções para o caso de uma segunda vaga endémica que pode ocorrer entre três a nove meses após a primeira vaga, e para a fase pós-pandémica que pode ocorrer dois ou três anos após o início da pandemia.




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